Gerenciamento e operação em emergências.

Matéria publicada na Revista Emergência 2023

Por: João Godoi.

Graduado em Enfermagem pela Universidade Camilo Castelo Branco (atual Universidade Brasil), Godoi é pós-graduado em Urgência e Emergência, em Enfermagem Aeroespacial,
em Prevenção e Combate a Incêndios Florestais e especialista em Emergências pela Universidade do Texas A&M University System, dos Estados Unidos. Também possui curso de Bombeiro Civil e de Técnico em Segurança no Trabalho. É Enfermeiro Coordenador da equipe aeromédica, da Base Operacional no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo/SP, Diretor do Centro de Treinamento em Emergências – CFAB e membro do CB-024 (Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio), da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

POR QUE E COMO INICIOU SEU INTERESSE PELA ÁREA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA E DE INCÊNDIO?

Quando eu tinha 13 anos ocorreu um incêndio na rua onde eu morava. Eu fui o primeiro a chegar, pois a casa em chamas ficava a 40 metros da minha casa. Juntamente com outros vizinhos tentamos jogar baldes, porém as portas e janelas estavam trancadas, e não tínhamos nenhuma experiência. Havia três crianças na casa fechada.
Foi então que um dos vizinhos chutou com força a porta e tentou entrar, porém uma coluna de fumaça densa impedia a entrada. Após algumas tentativas, ele colocou um pano sobre a boca e o nariz e entrou, saindo logo em seguida com a primeira criança de aproximadamente um ano. Na sequência, resgatou a segunda que aparentava três anos e em seguida a primeira equipe de bombeiros chegou e retirou a terceira de quatro anos. No entanto, todas foram a óbito e aquilo para mim foi marcante demais. Quando fui incentivado por um amigo sobre o curso de Bombeiro Civil me interessei, pois sempre tive curiosidade e interesse pela ciência do fogo, além de ter ficado inconformado com esta ocorrência pela qual passei. Ingressei no curso, me formei como Bombeiro Civil, em 1997, e meu primeiro trabalho foi em um shopping que tinha um histórico de um grande incêndio no cinema em outubro de 1994.
Ali que notei o tamanho da minha responsabilidade. Mesmo que houvesse mais bombeiros no plantão e um ambulatório com uma técnica de enfermagem, havia muitas pessoas entre clientes e lojistas, então eu sabia que teria que estar preparado, não apenas para incêndio, explosão ou colapso de estruturas, mas também para atendimento às emergências médicas, eu não estava enganado, pois tive essa certeza quando realizei meu primeiro atendimento de maior complexidade até aquele momento. Foi quando uma vendedora de uma das lojas encontrava-se caída, inconsciente e cianótica. Fui acionado pela central do shopping e ao chegar ao local, após uma análise, iniciei os procedimentos de suporte básico de vida, enquanto aguardava a equipe de remoção. A vendedora foi encaminhada ao pronto atendimento onde permaneceu por alguns dias sob cuidados médicos. Após a recuperação e retorno ao trabalho a lojista agradeceu pelo atendimento prestado pela equipe e ratificou, segundo os relatos médicos, a importância do atendimento extra-hospitalar. A partir desse episódio eu me dediquei mais ao aprendizado acerca das emergências médicas e, após alguns anos, me tornei enfermeiro.

COMO BOMBEIRO CIVIL E MEMBRO DO CB-024, COMO AVALIA AS RECENTES ALTERAÇÕES E CRIAÇÃO DE NORMAS TÉCNICAS SOBRE A PROFISSÃO?

As atuais normas têm sido utilizadas por inúmeras instituições, editais públicos e empresas de diversos setores industriais do país. Elas têm como objetivo garantir a segurança, a vida, a saúde das pessoas e a proteção do meio ambiente, sob uma excelente coordenação. De 2015 até o momento, foram revisadas, elaboradas e publicadas cinco normas robustas: a NBR 14276 – Brigada de incêndio e emergência – Requisitos e procedimentos, a NBR 14.608 – Bombeiro civil – Requisitos e procedimentos; a NBR 15.219 Plano de Emergência – Requisitos e procedimentos; a NBR 16.877 – Qualificação profissional de bombeiro civil – Requisitos e procedimentos; a ABNT NBR 17039 – Qualificações profissional de instrutor de bombeiros civis e brigadistas – Requisitos e procedimentos. Todas elas com referências internacionais. Ressalto a NBR 16.877/2020 – Qualificação profissional de bombeiro civil – Requisitos e procedimentos. Essa norma já tem sido utilizada em vários estados brasileiros e visa à qualificação profissional. Logo, o Bombeiro Civil estará mais preparado fazendo com que o empregador e as seguradoras reconheçam a fundamental importância destes profissionais para controlar riscos, prevenir e responder emergências de forma muito mais segura e eficaz, atuando em diferentes tipos de riscos. Com isso, podem até mesmo serem contratados como bombeiros voluntários, municipais e/ou mistos. De uma formação com 210h os bombeiros civis passam a ser formados com quase 600h, mais que o dobro de preparação que a norma anterior. Assim vamos evoluindo e melhorando a prevenção e resposta às emergências do país com muito profissionalismo.

QUAIS SÃO AINDA OS DESAFIOS DA PROFISSÃO DE BOMBEIRO CIVIL?
A profissão de bombeiro civil tem sido cada vez mais importante tendo em vista a quantidade de incêndios que existem no país (aproximadamente 300 mil por ano), o crescimento populacional e a urbanização, o aumento no tempo-resposta de determinadas cidades devido ao trânsito caótico, o baixo efetivo e a sobrecarga dos serviços públicos, os números expressivos de acidentes que geram inúmeras mortes e sequelas temporárias ou permanentes, a quantidade acentuada de vítimas diárias das emergências clínicas como as doenças cerebrovasculares, entre outras emergências. Diante dessa importância, há uma clara necessidade de bombeiros no Brasil com uma formação sólida e atualizada. O desafio do Bombeiro Civil será sempre buscar aprimoramento e qualificações e com as normas da ABNT é possível esta qualificação profissional como Bombeiro Civil Classes I, II e III. Outro grande desafio da profissão seria um conselho de classe como CREA, COREN, etc., para respaldar o profissional, contribuir na padronização, na aprendizagem, entre outras atribuições. A união destes profissionais, o conhecimento das normas brasileiras relacionadas à profissão e da Lei Federal 11.901 são fundamentais para que os Bombeiros Civis não se sintam isolados e desamparados. Como em todas as profissões, buscar capacitações, atualizações e a união são prioridades para o fortalecimento e o reconhecimento da profissão.

QUAIS OS PROBLEMAS QUANTO AO INCÊNDIO FLORESTAL NO PAÍS?
O Brasil possui uma das maiores florestas do mundo e é o país com a maior biodiversidade.
Os problemas mais comuns que enfrentamos anualmente que aumentam os riscos de incêndios florestais e agropastoris são: os períodos de estiagem, o baixo efetivo para os programas preventivos e respostas aos incêndios, as mudanças climáticas devido ao aquecimento global e que influenciam diretamente no tempo atmosférico de cada região do país, as áreas não protegidas e/ ou distantes de respondedores, o pouco investimento dos estados, municípios e União, a baixa fiscalização em áreas preservadas e a ausência de Brigada de Emergência e equipamentos de combate ao fogo e capacitações em fazendas e áreas de produção de milho, soja, algodão, eucalipto, entre outros produtos combustíveis.

Vale lembrar que há centenas de anos o Brasil também sofre com os incêndios florestais que surgem por influências humanas e que trazem imensos prejuízos. Uma das ferramentas mais utilizadas em boa parte do mundo, incluindo o Brasil, é conhecida como ICS (Incident Command System) – em português, Sistema de Comando de Incidentes – que surgiu devido aos grandes incêndios que ocorreram na Califórnia, Estados Unidos, na década de 70. No entanto, considerando que a primeira norma de âmbito nacional, a ABNT PR 1014 (Prática Recomendada), que especifica os requisitos e procedimentos básicos para o combate a incêndios em áreas florestais, para proteger a vida e o patrimônio, bem como para reduzir as consequências sociais e os danos ao meio ambiente, foi produzida e publicada em 2020, ainda temos muito a evoluir. Estratégias do MIF (Manejo Integrado do Fogo), que inclui a queima prescrita, preventiva, e fogo de supressão, são aplicadas por diversos países há muitos anos, com efeito positivo, seguro e eficaz dentro do programado, evitando grandes tragédias. Porém, no Brasil, ainda existe muita resistência, pouco conhecimento acerca delas e acaba-se aplicando pontualmente em algumas regiões e ocasiões. A cultura do nosso país, em sua grande maioria, é reativa e não preventiva. Dependendo do tipo de bioma, o uso de abafadores é uma das técnicas mais comuns no país, deixando de aplicar outras mais seguras, rápidas e eficazes. Ano passado, realizei uma capacitação em combatentes a incêndios florestais internacional com os Bombeiros do Cal Fire (Departamento de Incêndio da Califórnia), uma das referências mundiais em incêndios florestais, e tive o privilégio de conhecer e realizar técnicas atualizadas e eficientes para
cada cenário, bioma e região.

QUAL O CENÁRIO DO TRASPORTE E DO RESGATE AEROMÉDICO NO BRASIL?
O serviço aeromédico vem crescendo em uma velocidade razoável. No auge da pandemia o serviço cresceu aproximadamente 300%, ficando evidente que um transporte mais rápido e com volume considerável de transferências garantiu a vida de muitas pessoas que necessitavam de um centro de tratamento com maior recurso. No Brasil, ele funciona em algumas regiões, normalmente nas capitais, grandes centros e em algumas cidades do interior de cada estado. Atualmente é comum vermos pousos de helicópteros em rodovias para remoção de feridos, em sua maioria vítimas de acidentes automobilísticos. O serviço acontece basicamente durante o dia, pois poucos estados e poucas aeronaves podem realizar voos noturnos para resgates em áreas restritas sem a autorização da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) para pouso restrito. Uma evolução foi em relação à padronização da enfermagem aeromédica. Hoje, os enfermeiros de bordo devem atender à resolução do COFEN (Conselho Federal de Enfermagem) nº 0551, de 2017, cujo Art. 1º normatiza a atuação do enfermeiro no atendimento pré-hospitalar móvel e inter-hospitalar em aeronaves de asa fixa e rotativa. Isso faz com que os profissionais estejam alinhados quanto à segurança de voo, fisiologia aeroespacial e cuidados específicos em relação ao paciente.

COMO AVALIA A CAPACITAÇÃO OFERECIDA PELOS CENTROS DE TREINAMENTO NA ÁREA DE INCÊNDIO?

Hoje a preparação dos profissionais de prevenção e resposta a incêndio e explosão, em especial de indústrias químicas e petroquímicas, deve ser mais arrojada devido à complexidade e especificidade de cada área de atuação. Se faz necessária uma capacitação mais aprofundada e atualizada da ciência, das fases e do comportamento do fogo, hidráulica e termodinâmica, entre outras características dos “incêndios modernos”, baseada em normas como a NBR 16.877, de bombeiro civil, e em manuais como do IFISTA (International Fire Service Training Association). Deve-se abandonar as heranças do “paga dez”, rastejo na lama, caminhadas e atividades em mata, utilização de extintores de pós em participantes e todas e quaisquer atividades que fujam das atribuições de um profissional ligado à prevenção e controle de incêndios urbanos. Temos que trabalhar com segurança e aprimorar o saber de forma técnica,
eficaz e exequível. Hoje temos muitas referências normativas nacionais e internacionais para que se trabalhe dentro de um programa adequado de capacitação.

COMO AVALIA O CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DE EMERGÊNCIAS MÉDICAS NO PAÍS?

É visível que a falta de um padrão de atendimento e procedimentos, a desatualização e a
utilização de procedimentos descontinuados há anos ainda estão presentes em boa parte dos serviços de APH no país. Por exemplo, algumas instituições já utilizam ultrassom portátil no salão de uma ambulância, outras nem o torniquete utilizam. Isso mostra um desequilíbrio de procedimentos e cuidados no atendimento. O APH é dinâmico e exige preparação e habilidade para lidar com cada tipo de caso e as rápidas mudanças do estado clínico de cada paciente e se não soubermos identificar uma situação de risco iminente para reparar com uma ação imediata e precisa, isso pode custar a vida do paciente. Estar preparado para responder emergências médicas é obrigação dos provedores. Atualmente, existem diversos centros de capacitação com base nos protocolos atuais, seja da AHA (American Heart Association), da ERC (European Resuscitation Council), da HSFC (Heart and Stroke Foundation of Canada) ou da ARC (Australian Resuscitation Council). O que não faltam são referências mundiais. Não faltam informações e centros de capacitação para aperfeiçoamento profissional, mas ainda vemos em larga escala em redes sociais atendimentos muito abaixo do que se espera de um profissional de emergência.

Concepción, especializada em combate a incêndios florestais. Na ocasião, ele foi reconhecido como um incêndio de 6º geração, devastador que consumia em grande velocidade florestas, casas e o que encontrasse pela frente. Partimos com uma equipe para o Posto de Comando, onde todo o gerenciamento das operações era coordenado. Ali aprendemos muito sobre grandes operações, sistema de comando de incidentes, gestão de recursos humanos e materiais e voltamos com uma grande bagagem para resposta a incêndios florestais. Já em fevereiro de 2022, acompanhei alguns atendimentos às emergências médicas no Departamento de Bombeiros de Miami Dade, Estados Unidos, e tive o privilégio de atender alguns chamados com os paramédicos da Fire Station 7. O que me chamou a atenção, além da quantidade de drogas e medicamentos, materiais e equipamentos, foi a questão de todos os bombeiros serem paramédicos. Lá o bombeiro-paramédico realiza diversos procedimentos invasivos, por exemplo, intubação, realização de cricotireoidostomia, inserção de dreno de tórax e todas as medicações que fazem parte do protocolo de parada cardíaca, entre outras emergências. Isso mostra o quanto aumenta a chance de sobrevida das vítimas graves que necessitam de uma via aérea avançada ou de qualquer outro procedimento invasivo no ambiente extra-hospitalar. Então, eu penso: quanto tempo levará para chegarmos em tal nível?

ALGUMA OCORRÊNCIA NO BRASIL QUE MAIS LHE MARCOU? POR QUÊ?
Foram dois grandes acontecimentos em que atuei e que pude tirar aprendizados e observar oportunidades de melhorias. Um deles foi o incêndio na região de Alemoa, ocorrido em tanques de inflamáveis, em abril de 2015, em Santos, São Paulo. Estive com uma equipe nesse incêndio que ficou conhecido como o maior do Brasil em quantidade de tempo, nove dias aproximadamente, e o segundo maior do mundo em tanques de inflamáveis.

Não era um incêndio comum, era um incêndio complexo que havia acometido seis tanques de inflamáveis com capacidade de aproximadamente 6 milhões de litros, Pipe Racks, Manifold, bacia de contenção, flanges e toda a estrutura dos tanques. Aproximadamente 200 bombeiros públicos e industriais fizeram parte da operação. Lembro de ver muitos veículos de combate das indústrias e de forças públicas, posto médico montado na área fria e navios de combate a incêndio com bombas potentes, um verdadeiro cenário de guerra. Foi criado o Posto de Comando onde eram elaboradas as estratégias e táticas a serem executadas, e em uma delas, tivemos a incumbência de reposicionar dois canhões monitores no costado de um dos tanques em chamas. Entre diversas tentativas de supressão do fogo, vários planos e ações foram executados, mas só no oitavo dia é que o último tanque foi totalmente controlado. E em um momento tão esperado eu registrei por vídeo a ação de extinção. Sem dúvidas, foi um grande aprendizado para todos que ali estiveram.
Claro que eu vejo que existem pontos importantes a serem revistos caso outro evento similar ocorra como por exemplo: temos veículos com recurso hidráulico equivalente, bombas com vazão suficiente e mangueiras de 5” e 6” de diâmetro?; realizamos algum simulado onde foram convocados todos que ali estavam para pensar em estratégias futuras?; os agentes de extinção foram utilizados de maneira correta? Existe um estoque a pronto emprego de agentes supressores? Os agentes que foram testados demostraram eficiência?; e frente ao grande dano ambiental que ocorreu, alguma tecnologia foi testada ou um plano de proteção ambiental foi criado e amplamente divulgado a todos? Outra ocorrência em que também estive presente foi no incêndio florestal do Parque Estadual do Juquery, em 2021, em que aproximadamente 80% da área foi consumida pelas chamas em função de um balão que caiu em uma árvore.
O parque é um dos últimos fragmentos do bioma cerrado, da região metropolitana de São Paulo. Ele possui uma boa gestão preventiva e de resposta aos incêndios florestais, portanto, seria mais um foco de incêndio possivelmente controlado pelas equipes como acontece normalmente, pequeno e de baixo para cima. Porém, ocorreu de cima para baixo com um volume de fogo razoável e de rápida propagação devido à biomassa considerável, característica da região. O PPCIF (Plano de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais) do parque foi deflagrado e um Posto de Comando estabelecido em uma área segura, longe dos efeitos do sinistro. As ações de combate contaram com o apoio de 828 pessoas, dos mais diversos órgãos e instituições, mas somente no terceiro dia de ocorrência que o fogo foi completamente controlado e os focos remanescentes debelados pela equipe de bombeiros do parque e brigadistas.
Após este episódio, constantes melhorias foram feitas evoluindo em planejamento e técnicas mais efetivas no Manejo Integrado do Fogo. Também houve a capacitação em larga escala dos gestores da Operação Corta-Fogo em Sistema de Comando de Incidentes.

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